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Miró, uma tragicomédia
há 532 semanas

A trama já é bem conhecida no país. O BPN ia falir, o governo anterior decidiu nacionalizá-lo com a certeza de uma reprivatização no futuro que foi levada a cabo pelo actual executivo. Nos entretantos foi criada a Parvalorem, empresa destinada a gerir os activos do BPN que ficaram a cargo do Estado português. As 85 obras de Joan Miró, que nunca chegaram a ser expostas no país, fazem parte desses activos, e por consequência parte do património cultural do Estado, de todos nós. O governo achou que o melhor destino a dar a esta obra era a venda, num negócio que rondaria os 35 milhões de euros, propagandeando que esse dinheiro serviria para minimizar os custos que a negociata BPN teve, tem e terá para os cidadãos.

Desde o início que este processo levantou as maiores dúvidas e entre perguntas na Assembleia da República, petições e declarações públicas contra esta alienação de património, foi colocada uma primeira providência cautelar para parar esta venda. Esta providência foi ontem chumbada, mas a leiloeira Christie's, numa atitude mais ponderada que a de um governo de um Estado, decidiu cancelar o leilão até que os constrangimentos jurídicos se resolvam. Hoje acordamos com a notícia de que o próprio Ministério Público apresentou uma nova providência cautelar, alegando que o processo está repleto de ilegalidades.

Do governo sabemos três coisas: quando confrontada com esta situação na AR, a Ministra da Finanças chutou para canto e não quis dar esclarecimentos; o Primeiro-Ministro, responsável máximo pela Cultura, não abre a boca sobre o assunto, aliás, não abre a boca sobre qualquer assunto relacionado com o sector; o Secretário de Estado Barreto Xavier, demonstra a sua inexistência enquanto parte deste executivo e, tropeçando nas justificações e usando a sobranceria como escapatória para as perguntas de mais difícil resposta, dá a entender que não foi tido nem achado na decisão.

Mais uma vez, Barreto Xavier, demonstra a sua total incapacidade para influenciar positivamente as políticas culturais dentro do governo e apresenta uma total impreparação para lidar com o contraditório e com o escrutínio público.

No meio disto tudo, mais uma vez, quem perde é o país e a Cultura. A venda destas obras, deste património cultural que pertence a todos e a todas, não foi devidamente ponderada em todo o seu alcance. Portugal poderia passar a exibir num dos seus museus uma colecção rara de um dos mais importantes pintores do Séc. XX, mas por causa de um governo que menospreza a Cultura, ficará conhecido no estrangeiro como o país que se quis ver livre dela a troco de um negócio de merceeiro. E por estes dias foram vários os destaques na imprensa internacional sobre esta situação.

A Cultura e o património cultural deveriam ser dois dos eixos fundamentais para o desenvolvimento social e económico do país, com este governo e este Secretário de Estado, não só isso é impossível como a sua destruição sistemática é evidente.