A plataforma Cultura em Luta, constituída em Maio do ano passado, posicionou-se com a exigência de outra política para a Cultura, em alternativa à política de destruição da Cultura, realizada ao longo de décadas. Agiu e contribuiu com a sua acção para criação do novo quadro político saído das eleições de 4 de Outubro de 2015.
A plataforma Cultura em Luta, que congregou até agora 57 organizações de diferentes esferas da Cultura, sente-se comprometida com este novo quadro político, na medida em que ele gera expectivas de viragem e pode por isso pôr fim à política de subfinanciamento da Cultura, de desmantelamento dos serviços e organismos culturais do Estado, de desresponsabilização do Estado ante as suas obrigações constitucionais, de agravamento da profunda desigualdade no acesso à criação e à fruição, e de crescente mercantilização da Cultura. É esse contributo, essa sua acção e este compromisso que legitimam a exigência de um horizonte de dignidade para a Cultura e uma estratégia de investimento e desenvolvimento.
O Grupo de Coordenação da plataforma Cultura em Luta, conhecidos os contornos da proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2016, e cruzando a primeira análise desses dados com o Programa do Governo, considera:
1. A proposta de OE para 2016 apresentada pelo Governo não inverte o rumo ruinoso para a Cultura, sustentado pelos governos das últimas décadas.
2. A manutenção de um Orçamento do Estado para a Cultura, ao nível dos realizados nos últimos anos, não mantém coisa nenhuma. Aprofunda a agonia da actividade cultural, dos seus projectos, das suas estruturas e das suas dimensões diversas, aprofunda o desânimo dos seus profissionais e dinamizadores.
3. Tudo aponta para que se verifiquem novos cortes de financiamento, em áreas sensíveis como a dos apoios à criação artística independente e a do financiamento das bibliotecas e arquivos públicos. No primeiro caso, ameaçando actividades, estruturas e projectos artísticos que tenham logrado sobreviver a uma década de devastação; no caso dos arquivos e bibliotecas públicos, ameaçando decisivamente a qualidade e a extensão de uma rede de serviço público outrora pujante.
4. Considerando as expectativas geradas pelo novo quadro político saído das eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015 e a não se verificarem alterações significativas com a discussão na especialidade, consideramos que se trata de uma oportunidade perdida. Não é um Orçamento do Estado de investimento, nem de democratização da Cultura.
5. É uma oportunidade perdida, no que toca ao investimento, porque nem este OE é de crescimento, nem o Programa do Governo aponta para um significativo aumento desse investimento ao longo da legislatura, no sentido responder às necessidades mínimas da actividade, dos serviços e de todos aqueles que se dedicam à Cultura, em todo o território nacional, e no sentido de responder à situação de emergência em que se encontram.
6. É uma oportunidade perdida, no que toca à democratização da Cultura, porque do Programa do Governo e do OE 2016 estão ausentes uma estratégia e um horizonte de desenvolvimento democrático da Cultura, no sentido que a Constituição determina, e no sentido que uma política progressista e humanista exige. Horizonte e estratégia que só podem ser os de criar as condições de livre acesso de todos os cidadãos à criação, à participação activa na produção e dinamização cultural, e à fruição.
7. O OE 2016 traduz ainda com grande clareza as opções expressas no Programa do Governo de prosseguir a linha de desresponsabilização do Estado das suas obrigações constitucionais, e de entregar o financiamento e, consequentemente, a definição da politica cultural a interesses alheios à autonomia, à liberdade e à diversidade culturais e artísticas. Enfraquece a autonomia da política cultural e das suas prioridades, com a subordinação a outras tutelas do Governo; favorece o aprofundamento da municipalização da política cultural do Estado; faz depender o financiamento à Cultura da sua subordinação a interesses exógenos, como os do turismo, do entretenimento, da imagem do Estado, do país e das regiões e outros; pretende promover o "valor económico da Cultura", o "consumo", o mecenato e a empresarialização; quer patrocinar a transformação das formações e estrutura genuínas da Cultura, livremente construídas e adequadas à sua autonomia, à sua liberdade e diversidade, em "indústrias culturais e criativas". Quer contribuir para acentuar a acelerada mercantilização da Cultura, em todos os seus domínios.
O Grupo de Coordenação da plataforma Cultura em Luta reafirma as posições definidas no comunicado conjunto subscrito por 57 organizações, designadamente os eixos de uma outra política para a Cultura nele contidos, e sublinha a determinação desta plataforma em prosseguir a acção política necessária para uma viragem na política cultural até agora seguida, por um horizonte largo, no país imenso da Cultura.
São estes os eixos de uma nova política, a nossa exigência:
- Cumprimento do direito constitucional à cultura e das obrigações do Estado que ele implica;
- Criação de condições de participação de todos na prática cultural, exercício do direito de todos à criação e fruição;
- Definição de um serviço público de cultura em todo o território nacional;
- Criação de condições efectivas de difusão, distribuição e apresentação da produção nacional;
- Defesa do vasto património à nossa guarda, salvaguarda do património ameaçado e promoção da acessibilidade e divulgação;
- Defesa e preservação da documentação arquivística e promoção do livre acesso dos cidadãos à informação pública;
- Defesa do trabalho com direitos na cultura, contra a precariedade e o trabalho não-remunerado;
- Reconhecimento efectivo do valor sem preço da cultura, recusando a sua mercantilização generalizada;
- 1% para a cultura - 1% do OE, como patamar mínimo, 1% do PIB como patamar a alcançar gradualmente - a garantia, em sede de orçamento, de condições para um serviço público de Cultura, de condições para a liberdade e a diversidade culturais. 1% para a Cultura Serviço Público de Cultura Trabalho com direitos.
23 de Fevereiro de 2016, em frente à Assembleia da República
O Grupo de Coordenação da plataforma Cultura em Luta